sábado, 21 de junho de 2008

Os Novos Caminhos da Espiritualidade

Há uma frase célebre atribuida a André Malraux que diz que o século XXI será o século da espiritualidade ou não chegará a ser. Esta frase pressupõe a necessidade de encarar essa espiritualidade de uma forma nova e adaptada aos tempos de hoje. Para que tal aconteça temos o dever de darmos um testemunho coerente em relação àquilo que sentimos como errado e que criticamos nos outros e na sociedade.
Estes dois aspectos parecem-me profundamente ligados. De facto, num mundo de forte pendor individualista, onde cada um tem a sua verdade, a procura do transcendente tem de ser também individual e singular.
Muitas pessoas de boa-fé não entendem, ainda hoje, o que significa este novo fenómeno e ainda vêem na palavra espiritualidade um bicho de sete cabeças, algo arcaico e ligado às tradições e cultos das várias igrejas instituídas. Não querem perceber que a uma época de sacralização crescente do humano, como a nossa, terá
forçosamente que se seguir um retorno aos valores mais transcendentes e a uma nova harmonia entre o terreno do homem e o "terreno" abandonado do sagrado. O ser humano, apesar de todos os avanços da ciência e da tecnologia, tem necessidade constante de dar resposta à pergunta milenar do sentido para a vida, principalmente agora depois de ter "matado" Deus e de não o ter substituído por coisa nenhuma.
Por outro lado, a secularização crescente da religião, a que temos vindo a assistir, não tem deixado lugar senão a uma moral incipiente e totalmente insuficiente para dar a resposta à pergunta anterior. Temos assim criado aparentemente um beco sem saída, que os intelectuais na sua maioria escondem na capa de um pretenso ascendente que lhes viria da sua erudição e da sua fé nas capacidades ilimitadas do homem. Não podemos escamotear que, nesta sociedade do espectáculo e da banalidade, aqueles que por opção se dedicam às artes ou à literatura possam alcançar, na busca, na fruição e na partilha do belo, um patamar de sabedoria e de elevação que os torna diferentes dos demais. Contudo essa mesma condição é já por si uma antecâmara de algo que vive para além da imanência dos seres ou objectos e que, sem o reconhecerem ou sentirem, os remete para algo mais além. Não precisa assim essa espiritualidade de estar ligada a qualquer culto nem de ser sinónimo de fé em qualquer imortalidade da alma - ela existe porque é sentida como algo superior aos valores da sociedade instituída, como uma pergunta sempre aberta e sem resposta, que contudo muda comportamentos e
relativiza as metas do nosso quotidiano. As religiões instituídas, e a católica particularmente em Portugal, têm que perceber este fenómeno emergente e criar pontes de entendimento e de harmonia. Não mais a pequena visão paroquial que segrega por ser redutora e que excluindo, tantas vezes de forma arrogante e sobranceira, se torna assim profundamente retrógrada. As janelas da espiritualidade já estão abertas nas mentes e nos corações de milhões de pessoas por este Ocidente fora; há que as abrir ainda mais sem contudo pecarmos por excesso, ofuscando de novo os povos com os faróis antigos apontados para qualquer Roma, Meca ou Jerusalém. A juventude não entende, hoje em dia, proibições ou recomendações, sem lhes perceber as razões e os alcances, nem sem constatar os testemunhos de vida daqueles que lhes falam. (...)

1 comentário:

Anónimo disse...

magnífico! Aplaudo em pé. Bem escrito, coerente e verdadeiro.
Dalva Agne Lynch