segunda-feira, 23 de junho de 2008

DESENLACE



Só há luz
nesta manhã
mais nada...

Dizer azul
é subtrair matizes,
dizer águas
é trair espelhos,
dizer aves
é castrar-lhes os voos,
dizer que vi
é deixar de vê-los...
Pensar só em dizer
é desdizê-los...

Não posso estar
aquém
se meus olhos vão
além
em quietude...

Sopro de vida
que não pára,
alfa e ômega
num instante,
sou água em luz,
sou luz em mim
radiante...

Sou voos parados,
sou asas de querubim,
sou olhos de água,
eu, me, mim...

Sou eu? Venho ?
Sou outro? Vou?
Não?! Sim?!
SOU!
José Dias Egipto

domingo, 22 de junho de 2008

O Segredo?



A propósito do sucesso das vindas do Dalai Lama ao nosso país, das tiragens fabulosas do Paulo Coelho ou, por exemplo, deste último livro de auto-ajuda intitulado O Segredo lançado recentemente em Lisboa por um americano de sucesso muito se diz e escreve, mas, curiosamente, sempre de uma forma jocosa ou minimamente sobranceira. Sobre as causas da edesão de tanta gente das mais variadas camadas sociais, ninguém parece querer falar. Urge, portanto, reflectir sobre estes fenómenos sociais e tentar descobrir-lhe as causas mais
profundas, ultrapassada a provável e natural, curiosidade pura.
Por que será, por exemplo, que muitos intelectuais ditos de esquerda não tiveram acanhamento em comparecer, como simples cidadãos, no meio das multidões que quiseram ouvir aquele líder espiritual? Será que o não teriam também, se esse líder fosse cristão e ocidental?
Não o creio, por muito mediático que fosse tal individualidade. Mas afinal porque é que o budismo tem tido, desde as últimas décadas do século passado, uma tão grande aceitação entre os intelectuais do Ocidente? Que fará correr agora, por exemplo, alguns antigos
maoistas a ouvir um tibetano falar de desapego e compaixão, oprimido na sua terra natal precisamente pela, outrora tão propagandeada, República Popular da China?
Se é verdade que há uma resposta sincera e crescente em muitos ao apelo, no meio do deserto materialista vigente, para uma qualquer espiritualidade que conduza a um caminho de autoconhecimento, também é verdade que o budismo passou a ser uma espécie de moda, a que
poderíamos chamar a religiosidade disfarçada e "chique" dos nossos dias. Ele vem dar resposta, de facto, àqueles que, não encontrando um sentido último para a vida porque renegam as religiões instituídas ou a simples crença num criador, encontram no seu seio a possibilidade de viver melhor, sem necessidade de procurar esse sentido. Como já muitos pensadores o disseram ( Luc Ferry, por exemplo). o cristianismo, por culpa própria, digo eu, choca num mundo que se quis laico, e muito bem, enquanto o budismo escapa a essa censura porque vem ao encontro do sentido da "ideologia dominante" desta sociedade liberal, em que cada um "à la carte" escolhe o que lhe convém, sem necessidade de aderir a nenhuma verdade ou dogma que o possa comprometer.
Aparece assim o Dalai Lama, aos olhos de muitos agnósticos e ateus, como o oposto do Papa, porque não apela, como este, para um Deus revelado aos homens e com eles comprometido. É por este facto e pelas dificuldades crescentes de comunicação e de transmissão de ideias e conceitos, que as instituições religiosas, sejam elas quais forem, não são hoje bem aceites na nossa sociedade, mesmo que as palavras que se ouçam dos seus líderes remetam para os mesmos valores de tolerância, compaixão e amor fraternal. Os aspectos mais exotéricos do discurso budista, proclamados pelo Dalai Lama na sua digressão por Portugal com tão grande impacte, são extremamente simples e vão directamente ao coração de quem os ouve. Poderão
despertar a curiosidade de muitos para o aprofundamento dos conhecimentos da sua filosofia de vida e isso é muito importante nos dias de hoje. Talvez esse aprofundamento possa levar a uma melhor compreensão também do cristianismo, pela natural tendência às comparações. Assim todos poderão saber melhor do que estão a falar e fazer opções conscientes e de acordo não com as palavras mais ou menos sedutoras, mas com o mais íntimo do seu ser.
O desabar das utopias sociais e a secularização das religiões deixou, no Ocidente, aberto o campo ao budismo e às novas religiões do "new age",vindas principalmente dos E.U.A. Umas falam de um certo desapego que cativa os jovens sem emprego e sem horizontes; as outras pelo contrário falam de sucesso e de dinheiro o que cai também como sopa no mel nesta sociedade neoliberal. Interesante é constatar que de uma forma ou outra todos nós permanecemos, muitas vezes sem o reconhecermos, sequiosos de algo que nos transcenda e que dê sentido à nossa vida, às vezes tão fastidiosa. Já não nos chegam os itens da Declaração Universal dos Direitos do Homem como únicos preceitos "morais" para orientarmos as nossas sociedades. Queremos ir mais longe para alcançarmos o consolo que dê resposta à nossa galopante solidão. O que provavelmente não
sabemos - ou ninguém nos diz, o que é ainda pior - é que não precisamos de fugir para o Oriente nem para os Estados Unidos da América do Norte para o encontrar!...

sábado, 21 de junho de 2008

Os Novos Caminhos da Espiritualidade

Há uma frase célebre atribuida a André Malraux que diz que o século XXI será o século da espiritualidade ou não chegará a ser. Esta frase pressupõe a necessidade de encarar essa espiritualidade de uma forma nova e adaptada aos tempos de hoje. Para que tal aconteça temos o dever de darmos um testemunho coerente em relação àquilo que sentimos como errado e que criticamos nos outros e na sociedade.
Estes dois aspectos parecem-me profundamente ligados. De facto, num mundo de forte pendor individualista, onde cada um tem a sua verdade, a procura do transcendente tem de ser também individual e singular.
Muitas pessoas de boa-fé não entendem, ainda hoje, o que significa este novo fenómeno e ainda vêem na palavra espiritualidade um bicho de sete cabeças, algo arcaico e ligado às tradições e cultos das várias igrejas instituídas. Não querem perceber que a uma época de sacralização crescente do humano, como a nossa, terá
forçosamente que se seguir um retorno aos valores mais transcendentes e a uma nova harmonia entre o terreno do homem e o "terreno" abandonado do sagrado. O ser humano, apesar de todos os avanços da ciência e da tecnologia, tem necessidade constante de dar resposta à pergunta milenar do sentido para a vida, principalmente agora depois de ter "matado" Deus e de não o ter substituído por coisa nenhuma.
Por outro lado, a secularização crescente da religião, a que temos vindo a assistir, não tem deixado lugar senão a uma moral incipiente e totalmente insuficiente para dar a resposta à pergunta anterior. Temos assim criado aparentemente um beco sem saída, que os intelectuais na sua maioria escondem na capa de um pretenso ascendente que lhes viria da sua erudição e da sua fé nas capacidades ilimitadas do homem. Não podemos escamotear que, nesta sociedade do espectáculo e da banalidade, aqueles que por opção se dedicam às artes ou à literatura possam alcançar, na busca, na fruição e na partilha do belo, um patamar de sabedoria e de elevação que os torna diferentes dos demais. Contudo essa mesma condição é já por si uma antecâmara de algo que vive para além da imanência dos seres ou objectos e que, sem o reconhecerem ou sentirem, os remete para algo mais além. Não precisa assim essa espiritualidade de estar ligada a qualquer culto nem de ser sinónimo de fé em qualquer imortalidade da alma - ela existe porque é sentida como algo superior aos valores da sociedade instituída, como uma pergunta sempre aberta e sem resposta, que contudo muda comportamentos e
relativiza as metas do nosso quotidiano. As religiões instituídas, e a católica particularmente em Portugal, têm que perceber este fenómeno emergente e criar pontes de entendimento e de harmonia. Não mais a pequena visão paroquial que segrega por ser redutora e que excluindo, tantas vezes de forma arrogante e sobranceira, se torna assim profundamente retrógrada. As janelas da espiritualidade já estão abertas nas mentes e nos corações de milhões de pessoas por este Ocidente fora; há que as abrir ainda mais sem contudo pecarmos por excesso, ofuscando de novo os povos com os faróis antigos apontados para qualquer Roma, Meca ou Jerusalém. A juventude não entende, hoje em dia, proibições ou recomendações, sem lhes perceber as razões e os alcances, nem sem constatar os testemunhos de vida daqueles que lhes falam. (...)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Poesia e Espirito


Muitos não querem perceber a relação da poesia com a espiritualidade. Muitos vêm na poesia um mero jogo das palavras uma semântica bem contruida e pouco mais. Pessoa disse: "ser poeta é ser mais alto".. e poucos compreenderam o que queria dizer. Pensaram que este verso significava fanfarronice ou presunção. Nada mais errado! O mais alto para pessoa era uma obrigação penosa que a si próprio se impunha. Sabia que muitos a ela chegam pela intuição mas ele sentia que só através do estudo e de uma certa ascese pessoal lá chegaria. Com esforço, com sacrifício da sua vida pessoal e social. Só que chega a patamares superiores da espiritualidade como ele pode verter em palavras simples tudo o que lhe vai na alma sendo esta já não sua mas de toda a Humanidade. Os seus heterónimos nascem dessa vontade de abarcar o mundo nas suas várias facetas porque originadas em pessoas diferentes como se fossem imagens arquetipas dos olhos possíveis.

Um poeta que se diz ateu não sabe o que está adizer e blasfema contra o seu dom. Um poeta que não gosta de musica só trabalha as palavras mas não atinge o coração das pessoas.

A poesia também é para comer...

Já alguém o disse mas é sempre bom lembrar. Muitos pensam que a poesia não tem utilidade, que serve apenas para exercicio narcisico de quem a escreve - nada mais errado. Concordo que nos meios ditos literários há muita bajulação e que muita gente massaja o ego quando escreve. Sei-o por experiência própria de certos meios por onde passei. Mas a poesia implica espiritualidade pois sem ela a mensagem morre e a palavra aborta . Sempre me fez especie poetas que não gostavam de musica e que se diziam ateus. Nem eles sabiam o que diziam, coitados..." Ser poeta é ser mais alto" -escreveu Pessoa e poucos perceberam o que ele quis dizer verdadeiramente. Ser mais alto não é um elogio nem uma fanfarronice, pelo contrário. Pessoa sabia que para chegar a essas alturas o poeta sofria na pele as consequencias. Para lá chegar não eram precisos grandes estudos mas também, para alguns, só pelo estudo profundo se podia lá chegar. O disfrute da poesia implica fome de poesia e de espiritualidade e por isso come-se poesia para saciar essa fome e essa sede. A unica utilidade da poesia é satisfazer essa necessidade que para alguns é mais do que fisiológica mas também seduzir os indiferentes e embutados. O resto é vaidade e mercado e nada vale!

quarta-feira, 18 de junho de 2008