domingo, 22 de junho de 2008

O Segredo?



A propósito do sucesso das vindas do Dalai Lama ao nosso país, das tiragens fabulosas do Paulo Coelho ou, por exemplo, deste último livro de auto-ajuda intitulado O Segredo lançado recentemente em Lisboa por um americano de sucesso muito se diz e escreve, mas, curiosamente, sempre de uma forma jocosa ou minimamente sobranceira. Sobre as causas da edesão de tanta gente das mais variadas camadas sociais, ninguém parece querer falar. Urge, portanto, reflectir sobre estes fenómenos sociais e tentar descobrir-lhe as causas mais
profundas, ultrapassada a provável e natural, curiosidade pura.
Por que será, por exemplo, que muitos intelectuais ditos de esquerda não tiveram acanhamento em comparecer, como simples cidadãos, no meio das multidões que quiseram ouvir aquele líder espiritual? Será que o não teriam também, se esse líder fosse cristão e ocidental?
Não o creio, por muito mediático que fosse tal individualidade. Mas afinal porque é que o budismo tem tido, desde as últimas décadas do século passado, uma tão grande aceitação entre os intelectuais do Ocidente? Que fará correr agora, por exemplo, alguns antigos
maoistas a ouvir um tibetano falar de desapego e compaixão, oprimido na sua terra natal precisamente pela, outrora tão propagandeada, República Popular da China?
Se é verdade que há uma resposta sincera e crescente em muitos ao apelo, no meio do deserto materialista vigente, para uma qualquer espiritualidade que conduza a um caminho de autoconhecimento, também é verdade que o budismo passou a ser uma espécie de moda, a que
poderíamos chamar a religiosidade disfarçada e "chique" dos nossos dias. Ele vem dar resposta, de facto, àqueles que, não encontrando um sentido último para a vida porque renegam as religiões instituídas ou a simples crença num criador, encontram no seu seio a possibilidade de viver melhor, sem necessidade de procurar esse sentido. Como já muitos pensadores o disseram ( Luc Ferry, por exemplo). o cristianismo, por culpa própria, digo eu, choca num mundo que se quis laico, e muito bem, enquanto o budismo escapa a essa censura porque vem ao encontro do sentido da "ideologia dominante" desta sociedade liberal, em que cada um "à la carte" escolhe o que lhe convém, sem necessidade de aderir a nenhuma verdade ou dogma que o possa comprometer.
Aparece assim o Dalai Lama, aos olhos de muitos agnósticos e ateus, como o oposto do Papa, porque não apela, como este, para um Deus revelado aos homens e com eles comprometido. É por este facto e pelas dificuldades crescentes de comunicação e de transmissão de ideias e conceitos, que as instituições religiosas, sejam elas quais forem, não são hoje bem aceites na nossa sociedade, mesmo que as palavras que se ouçam dos seus líderes remetam para os mesmos valores de tolerância, compaixão e amor fraternal. Os aspectos mais exotéricos do discurso budista, proclamados pelo Dalai Lama na sua digressão por Portugal com tão grande impacte, são extremamente simples e vão directamente ao coração de quem os ouve. Poderão
despertar a curiosidade de muitos para o aprofundamento dos conhecimentos da sua filosofia de vida e isso é muito importante nos dias de hoje. Talvez esse aprofundamento possa levar a uma melhor compreensão também do cristianismo, pela natural tendência às comparações. Assim todos poderão saber melhor do que estão a falar e fazer opções conscientes e de acordo não com as palavras mais ou menos sedutoras, mas com o mais íntimo do seu ser.
O desabar das utopias sociais e a secularização das religiões deixou, no Ocidente, aberto o campo ao budismo e às novas religiões do "new age",vindas principalmente dos E.U.A. Umas falam de um certo desapego que cativa os jovens sem emprego e sem horizontes; as outras pelo contrário falam de sucesso e de dinheiro o que cai também como sopa no mel nesta sociedade neoliberal. Interesante é constatar que de uma forma ou outra todos nós permanecemos, muitas vezes sem o reconhecermos, sequiosos de algo que nos transcenda e que dê sentido à nossa vida, às vezes tão fastidiosa. Já não nos chegam os itens da Declaração Universal dos Direitos do Homem como únicos preceitos "morais" para orientarmos as nossas sociedades. Queremos ir mais longe para alcançarmos o consolo que dê resposta à nossa galopante solidão. O que provavelmente não
sabemos - ou ninguém nos diz, o que é ainda pior - é que não precisamos de fugir para o Oriente nem para os Estados Unidos da América do Norte para o encontrar!...

1 comentário:

Anónimo disse...

seu texto não apenas é suscinto e absolutamente claro, mas também imparcial. Uma boa visão geral do estado religioso da atualidade. Outra vez - parabéns.
Dalva Agne Lynch